Noite de Reis foi a peça de William Shakespeare que o Teatro Municipal Joaquim Benite teve em cartaz durante o mês de outubro. Encenada por Peter Kleinert, criador alemão discípulo de Brecht, devia ter estreado há dois anos, mas a pandemia adiou-a por período indefinido e, quando foi tempo de retomar o projeto, o encenador, refletindo sobre as vicissitudes deste interregno — o surto viral que assolou o mundo, a guerra que eclodiu na Europa e a crise ambiental com que nos defrontamos de forma cada vez mais premente —, decidiu transformar Ilíria, espaço da ação, numa ilha de plástico, com uma palmeira artificial do lado direito. E o que se passa nesta ilha de plástico? Nela habitam o duque Orsino, ilustre melómano caçador de veados, e a condessa Olívia, que vive enclausurada numa mansão, na companhia de seu tio Telmo (Sir Toby Belch no original inglês), do mordomo Malvólio e da criada Maria. Orsino está apaixonado por Olívia, mas esta não lhe retribui o afeto, que devotou ao culto dos seus mortos, o pai, falecido há um ano, e o irmão, de trespasse ainda mais recente. Duque Orsino (representado por Diogo Bach) Condessa Olívia (representada por Érica Rodrigues) E as coisas poderiam ter permanecido nesta impossibilidade latente, se não fosse ter um dia naufragado, à vista da ilha, um navio proveniente de Messalina onde viajavam dois nobres irmãos, Violeta (Viola, no texto shakespeariano) e Sebastião. Ela salvou-se, aportando à costa com o capitão do navio, e dele não tinha notícias, temendo que houvesse perecido nas ondas. Receosa do que pudesse suceder-lhe numa terra estranha, Violeta decidiu disfarçar-se de homem e fazer-se passar pelo eunuco Cesário, um criado prestável, bom cantador e sabedor de música. Guiada pelo capitão, que conhecia o local, foi bater à porta do duque, oferecendo os seus serviços. Este achou-lhe bom préstimo e contratou-a, ou melhor contratou Cesário, e ao fim de três dias já o achava digno de confiança para atuar como mensageiro das apaixonadas missivas que dirigia à sua amada Olívia. Violeta/Cesário (representada/o por Leonor Alecrim) e Orsino Condessa Olívia e Violeta/Cesário Mas os quiproquós mal tinham começado. Não tardou que Violeta, apesar de ser o porta-voz dos seus sentimentos por outra, se enamorasse de Orsino e que Olívia, sensível à beleza e à paixão que emanava das palavras e dos gestos de Cesário, ficasse também ela presa de amores pelo emissário do duque: em suma, os típicos enredos cruzados das comédias de Shakespeare. Como pano de fundo da ação principal, temos uma corte de personagens dissolutas, divertidas e boémias, que habitam com a condessa: o bobo Feste, o ébrio D. Telmo, o seu companheiro de pândega André, e o sisudo Malvólio, que irá ser alvo de uma partida assaz vexante por parte da criada Maria. E, a complicar as coisas, surge no segundo ato o náufrago Sebastião, que afinal não perecera nas ondas, mas amarou também em Ilíria com o seu fiel amigo António. Cada vez que entra em cena, o gémeo de Violeta é motivo dos mais variados equívocos, pois toda a gente o confunde com a irmã pelas flagrantes parecenças físicas e por se achar esta disfarçada de homem. Telmo (André Pardal), André (Ivo Marçal) e Malvólio (João Cabral) A criada Maria (Binete Undonque) Do texto shakespeariano, o encenador alemão sublinhou as poéticas declarações amorosas por interposta pessoa trocadas entre Violeta/Cesário e Olívia através do live cinema, desdobrando a imagem real da cena com a projeção videográfica da mesma. Olívia e Cesário em cena e em live cinema, na projeção de fundo A encenação acrescentou ainda, ao leque de personagens, um músico argentino, que se encontra na margem esquerda da boca de cena. Chama-se Ariel na vida real e na ficção dramática, nome do espírito mágico que aparece na peça A Tempestade, de Shakespeare. É o pianista de serviço, toca para o duque (que afirma logo no início da ação: «Se a música é o alimento do amor, tocai sempre…»), para acompanhar a condessa Olívia nos seus shows imitando as cantoras da música pop e para animar a orgia das personagens, que dançam ao som da música eletrónica. Quando não tem mais o que fazer, Ariel come pipocas e bebe uns drinks, ao mesmo tempo que aprecia a representação, assumindo também a parte do espectador. O pianista Arial Rodriguez a tocar e Olívia a cantar Pelo travestimento das personagens, mas também pela opção de apresentar em cena corpos andróginos, androginamente trajados, a Noite de Reis de Kleinert evoca, naturalmente, a grande temática sexual do nosso tempo: a questão da fluidez de género, o ser ou não ser (nem) homem (nem) mulher. Os estudiosos da obra shakespeariana referem os tópicos da mutabilidade da vida e da incerteza existencial como centrais nesta comédia. E assim é também na representação que evocamos, embora o final feliz ponha um termo aos enganos e desilusões das personagens e epitomize a festa da vida, castigando a personagem desmancha-prazeres que é Malvólio (que é chamado a evocar também as vozes da extrema-direita com alusão ao Chega) e trazendo aos restantes bons ventos e melhores casamentos. No âmbito da disciplina de História e em articulação com o Português, os alunos das turmas F e G do 12.º ano foram assistir à peça no dia 26 de outubro do corrente ano, acompanhados pelos professores Nuno Nabais, o promotor da atividade, Paula Branco, Catarina Labisa e Dulce Carvalho. Transcrevemos aqui algumas das opiniões que expressaram sobre este evento cultural: Uma peça clássica, modernizada com temas novos da nossa realidade. Num resumo, uma excelente encenação, até para aqueles que ficaram mais confusos acerca do que nesta ocorreu. Shakespeare era mesmo um homem de histórias impressionantes, mas Peter Kleinert tornou esta obra em algo superior, é mais do que uma história, é a modernidade e o passado em colisão.Bernardo Ramos, n.º 5; João Assunção, n.º 13; Ricardo Inocêncio, n.º 24 — 12.º F A adaptação de Noite de Reis a que assistimos no Teatro Municipal Joaquim Benite trouxe um toque moderno e ligeiro ao que poderia ter sido uma peça mais exigente a nível de linguagem e de representação, por se tratar de uma obra de William Shakespeare. Embora um pouco confusa ao início, o desenrolar da ação deixa bem explícito o seu tema, o amor, e termina com aquilo a que podemos chamar um ato de libertação, que transmite muita alegria e afeto através do toque físico, da música e da dança.Afonso Páscoa, n.º 3; Joana Melo, n.º 12 — 12.º F Irreverente, incompreendido e intemporal são os 3 “i” que nos ocorrem para descrever a peça de teatro a que tivemos o prazer de assistir.Irreverente, porque o encenador teve a capacidade de tornar uma história de Shakespeare numa obra com traços muito atuais e extravagantes, abordando, nomeadamente, a temática da poluição marinha. O cenário da história original é uma ilha e, por isso, a representação teatral acontece num palco repleto de plásticos, numa clara alusão ao número crescente de ilhas de plástico que surgem pelo oceano.Incompreendido, porque, além de se tratar de um enredo que aborda tão sublimemente a identidade de género com as trocas constantes e confusões amorosas, releva uma forma mais liberta de olhar para a sexualidade, abolindo complexos e preconceitos que ainda minam as mentes, no século XXI. Muitos dos que assistiram ficaram escandalizados com a cena final, por exemplo, revelando um certo conservadorismo bacoco, alimentado por jovens.Intemporal, porque nos traz uma obra do século XVII, mas que continua adequada aos nossos dias, afinal, o amor, as relações humanas e os vícios são temáticas sem prazo.Não podemos deixar de mencionar o quanto gostámos da criada da história, a Maria, uma mulher absolutamente incrível.João Pinhal, n.º 14; Maria Catarina Parada, n.º 18 — 12.º F Um retrato aparentemente simples e cómico, mas na verdade profundo e existencial, personificado pelas trocas de identidade, disputas amorosas, constantes folias e partidas. Conseguimos, de maneira atenta, identificar alguns tópicos da peça e relacioná-los com a atualidade, toda uma tempestade amorosa e sexual. Ao longo do desenrolar da história, todas as personagens se sentem atraídas fisicamente por alguém.Afonso Pinto, n.º 2; Laura Caldeira, n.º 16; Tiago Miguel, n.º 28 — 12.º F A nossa opinião como espectadoras desta peça foi positiva, porque conseguimos compreender a mensagem de William Shakespeare de uma maneira diferente, divertida e musical, reforçando a sua dimensão de comédia e aligeirando o estilo do autor, por vezes difícil de compreender. A Companhia de Teatro Joaquim Benite expressou uma das maiores críticas aos dias de hoje, a poluição, utilizando o plástico como principal elemento dos cenários e tornando-os atrativos e bem enquadrados, tendo em conta o desenrolar da ação.Luiza Luz, n.º 17; Marta Costa, n.º 20 — 12.º F Noite de Reis é mais uma prova da competência de Shakespeare para lidar com temas como o amor, a troca de identidades e o comportamento humano em momentos de crise. Todos estes temas são trabalhados na peça numa pegada mais cómica. Na nossa visão, esta comédia apresenta características fora da caixa e isso é algo que, para nós, é muito positivo, uma vez que os temas referidos costumam ser abordados de forma dramática e não do modo divertido em que surgem em Noite de Reis, o que nos leva a apreciar este trabalho da Companhia de Teatro de Almada.Bruno Vieira, n.º 7; Mateus Morais, n.º 21; Simão Cruz, n.º 27 — 12.º F Na nossa opinião, este teatro aborda temas modernos de forma criativa e cativante, porque, no desenrolar da ação, um triângulo amoroso é formado por Olívia, pelo Duque e por Violeta, e, no final, acabam todos por se envolver sexualmente. Isto retrata no mundo real as diferentes sexualidades. Através da estética e da dimensão visual, esta dramaturgia opta por não seguir tão pormenorizadamente o texto de Shakespeare. Quanto aos figurinos, temos uma certa ousadia, com roupa atual e fantasiosa, para não falar da nudez e das atitudes «impróprias». Para finalizar, nós gostámos bastante de Arial, o argentino que estava a tocar piano, porque deu ênfase à dimensão musical da peça.Maria Batista, n.º 19; Matilde Estanislau, n.º 22; Matilde Colaço, n.º 30 — 12.º F Em Noite de Reis presenciamos a utilização abundante do plástico. É um alerta urgente sobre o nosso planeta e uma chamada de atenção à sua população descuidada na preservação do ambiente. Com base na peça, vale relembrar que a ambiguidade de género visível nas personagens é uma mensagem de modernidade e chama a atenção dos jovens, sendo um dos tópicos mais discutidos nesta geração. Tudo bons motivos para ver esta representação do Teatro Municipal Joaquim Benite.Bárbara Jiménez, n.º 4; Catarina Paulo, n.º 10; Lara Pereira, n.º 20 — 12.º G A peça de William Shakespeare que vimos representada, ainda que fiel ao texto original, incorporou várias realidades e problemáticas do mundo em que vivemos. Muito movimentada e cheia de energia, nela pudemos observar todo o tipo de sentimentos, de tal forma dinamizados pelos atores, que foram bem partilhados com o público. Esta encenação conseguiu dizer-nos muito com o seu cenário e com a forma como as personagens interagiram, transmitindo mensagens sobre tópicos do mundo atual, como a poluição das praias e oceanos, e a própria sexualidade. Em suma, uma peça cheia de vida, emoção e uma adaptação fantástica da obra, inserindo-a num ambiente mais moderno e jovem.Bárbara Raimundo, n.º 5 — 12.º G O nosso balanço em relação à peça de teatro é muito positivo. Gostámos das temáticas que abordava (como a identidade de género e a sexualidade) e da forma como foi demonstrada entre as personagens. Noite de Reis é uma peça bastante cómica e agradável de se ver. Apreciámos particularmente o papel do pianista, contribuindo com a sua música para a animação geral. Para concluir, repetíamos a ida ao teatro mesmo já sabendo o seu desfecho.Beatriz Coelho, n.º 6; Daniela Xarope, n.º 14; Daniela Saraiva, n.º 15 — 12.º G Nesta representação, destacou-se a forma de abordar e moldar a peça de Shakespeare de acordo com a atualidade, pondo em evidência a diversidade sexual, o amor e temáticas afins. Mesmo que o texto não fosse sempre claro, mostraram-se bastante evidentes o contexto e os contornos da ação. De uma forma extravagante e animada, é-nos contada a história de amor entre várias personagens que, ao longo da peça, se torna cada vez mais complexa. Catarina Pereira, n.º 13; Eva Almeida, n.º 16; Iara Botas Vidal, n.º 17 — 12.º G Dezembro 2022, Catarina Labisa Post Views: 302 Leave a Reply Cancel ReplyYour email address will not be published.CommentName* Email* Website Sim, adicionem-me à lista. Δ