Há dez anos, o artista suíço-escocês Brendan Donnet, refletindo sobre o quadro Reproduction Interdite de René Magritte, afirmava que “a pintura não devia ser considerada uma arte de representação da realidade ou um espelho da realidade”, pela simples razão de que aquilo a que chamamos realidade é, na verdade, uma teia tão complexa que não há imagem que permita, por si só, retratá-la. E Donnet achou por bem reafirmar o princípio da irrepresentabilidade artística numa pintura que mima, atualizando-a, a figuração de Magritte. Eis aqui as duas imagens lado a lado: Brendan Donnet e René Magritte: duas versões de uma Reprodução Interdita Numa como na outra, as figuras humanas representadas encontram-se estranhamente impossibilitadas de ver refletido o seu rosto no objeto especular que têm em frente: o telemóvel e o espelho. Esta opacidade da arte, este obstáculo ao nosso narcisismo, por um lado, e ao conhecimento do real, por outro, dão que pensar. Os textos que em seguida divulgamos são da autoria de alunos do 12.º ano e resultam de uma reflexão sobre o fenómeno artístico, a sociedade, a identidade e as imagens, nomeadamente as duas figurações acima expostas. Leiamo-los então. «Quem sou eu? Quem somos nós? «A imagem que cada um tem de si pode aproximar-se mais ou menos da realidade. Ainda assim, é difícil perceber se nos conhecemos efetivamente. «As duas pinturas que observámos parecem dar uma resposta negativa à questão. «No quadro intitulado Reprodução Proibida (1937) de René Magritte, surge uma figura masculina (que os conhecedores dizem tratar-se do poeta surrealista Edward James), aparentemente em frente a um espelho. Contudo, o reflexo produzido contraria as leis da física. Ao invés de observarmos o rosto do homem, vemos as suas costas, ainda que ele esteja com a cara virada para o espelho. Apesar desta estranha configuração, não podemos dizer que toda a imagem especular transfigure o esperado, dado que, no canto inferior direito, se encontra um livro que se reflete de forma correta, isto é, com a inversão da imagem. «Na pintura contemporânea de Brendan Donnet, o fenómeno descrito parece repetir-se. No entanto, em vez de um espelho “mágico”, temos um telemóvel que produz selfies diferentes do habitual. O indivíduo apresenta-se de frente para a câmara, mas a fotografia mostra-nos as costas da figura representada. «O homem presente em ambos os quadros não consegue ver a sua face, porque aquilo que achamos de nós é apenas uma ideia daquilo que somos. As obras de arte em causa querem fazer-nos perceber que, por mais que nos olhemos no espelho, que tiremos selfies, nunca iremos saber quem somos. Interpretando de outra forma, o indivíduo pode não conseguir aceitar-se como é e, por isso, prefere mostrar aos outros, através de fotografias, por exemplo, aquilo que ele poderá considerar ser a sua melhor face. «No quadro Reprodução Proibida, o livro surge refletido de forma normal, o que poderá querer afirmar que os objetos podem efetivamente ser representados sem fugir à realidade. Porém, o mesmo não acontece com as pessoas, uma vez que todos temos várias dimensões. Não é um espelho ou uma selfie que consegue refletir todas elas. A nossa identidade, personalidade, o nosso carácter mal se conhecem através destes meios. Além disso, mesmo a nossa imagem física poucas vezes é representada de forma fiel. «Chegámos ao final da nossa reflexão e continuamos sem perceber se sabemos quem somos. A arte é uma ótima forma para refletir sobre o nosso eu. Seja pela dificuldade de nos conhecermos, seja por não querermos aceitar a realidade, por querermos mostrar outra verdade aos outros, ou seja, por incapacidade de reproduzir o real, o facto é que respondermos à questão «Quem sou eu?» é o maior desafio das nossas vidas.» João Pinhal, n.º 14, e Maria Parada, n.º 18 do 12.º F Reprodução Interdita do pintor belga René Magritte «A pintura de Brendan Donnet é uma adaptação para os tempos modernos do quadro Reprodução Proibida de René Magritte. «Edward James, representante do Surrealismo, o homem retratado na pintura Reprodução Proibida, está de frente para o espelho, contudo, vemos o seu reflexo de costas. Podemos também observar uma mesa à sua frente com um livro escrito em francês, de Edgar Allan Poe — A narrativa de Arthur Gordon Pym de Nantucket —, cujo reflexo no espelho está correto. «Na versão moderna de Brendan Donnet, encontra-se um homem semelhante, com um corte de cabelo mais moderno, que aparenta segurar um selfie-stick com um telemóvel e que se prepara para tirar uma selfie. Tal como na obra de René Magritte, o reflexo do homem está de costas. «Ambas as obras representam a mesma ideia de que não podemos mostrar o nosso “eu verdadeiro”. Com a chegada das redes sociais, a pintura adquiriu um significado mais complexo, pois aí tentamos sempre mostrar uma personagem falsa, passar uma ideia de perfeição e por vezes alterar a própria imagem, transmitindo assim uma impressão que não corresponde à realidade. «Concluímos então que ambas as pinturas têm um significado comum e grande complexidade na lição que tendem a mostrar.» Eva Almeida, n.º 16, e Joana Piteira, n.º 19 do 12.º F O Filho do Homem de René Magritte «A pintura de Brendan Donnet não podia representar melhor a realidade em que vivemos nos dias de hoje. A influência das redes sociais trouxe ao mundo uma suposta forma certa de ser e de viver, onde a opinião do próximo define quem somos e daí o famoso status. Acredito que a mensagem do pintor será que é impossível conhecermo-nos a nós e ao próximo num mundo tão superficial e irrealista; que apreciar os momentos, que muitas vezes são oportunidades únicas, é talvez a melhor forma de conhecer algo ou alguém. Talvez devêssemos voltar a esses hábitos e deixar o tirar a foto, editar e postar. E não é uma mensagem apenas para os mais jovens, até porque os mais vividos são alvo desta nova moda. «Somos mais do que um mero “post” nas redes sociais, somos hábitos, gostos, família e amigos. Somos histórias e momentos e é importante valorizarmos o que de facto tem valor.» Catarina Bernardo, n.º 12 do 12.º G O Homem Invisível de Brendan Donnet «Na pintura contemporânea de Brendan Donnet, destacam-se as suas cores frias, que acabam por apelar, talvez, à solidão do indivíduo representado. Este ponto de vista pode ser também reforçado pelo acontecimento descrito na imagem, em que é possível observar um indivíduo a tirar uma selfie de costas voltadas, porém a imagem refletida no telefone não é a do seu rosto, mas sim das suas costas. A relação das duas obras é nítida, tendo a pintura de Brendan Donnet sido feita a partir do quadro Representação Proibida de René Magritte, onde está representada, também, uma figura masculina de frente para um espelho em que mais uma vez a imagem refletida não é a do rosto da figura, mas sim das suas costas. «Ambas as obras evocam, de forma distinta, o egocentrismo e o narcisismo, sendo a obra de Brendan Donnet a que melhor representa, de uma forma moderna e mais atual, estas duas características.» Afonso Páscoa, n.º 3, e Joana Melo, n.º 12 do 12.º F Autorretrato de Brendan Donnet «Na pintura de Donnet está presente uma crítica às selfies, vendo-as como forma de distorcer a realidade ao gosto de cada um de nós.» Carlota Vieira, n.º 8 do 12.º F Setembro 2022, enviado por Catarina Labisa Por favor deixe este campo em branco Não perca as últimas... Endereço de email * Verifique a sua caixa de correio ou a pasta de Spam para confirmar a sua subscrição. 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